terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Onde a enfermagem está na Casa Grande ou na Senzala???


Olá pessoal, sou o professor Silvio Nicolau, enfermeiro e Mestre em enfermagem, hoje eu vim aqui pra dar um recadinho muito especial pra vocês. Todo ano, no dia 12 de maio comemora-se o dia do enfermeiro e no dia 20 o dia do técnico e auxiliar de enfermagem, portanto, entre o dia 12 e 20 de maio comemora-se a semana da enfermagem.
Esse período serve pra fazermos reflexões acerca da nossa profissão, uma profissão tão importante, mas pouco valorizada, muito esquecida e por vezes desrespeitada.
Na semana da enfermagem comemora-se também a libertação dos escravos no Brasil. Por isso resolvi fazer essa analogia entre estas duas situações tão distintas, mas com alguns pontos convergentes. Querem saber quais são essas convergências??
Bem pessoal, na semana em comemoração a enfermagem, infelizmente não temos muito o que comemorar, a enfermagem de Pernambuco tem os piores vencimentos do Brasil, não é valorizada profissionalmente, nas discussões de casos clínicos do doentes é sempre deixado em segundo plano, em muitos casos não tem autonomia nas suas ações de gerenciamento.
Sendo assim, é possível enxergar relações de interesse que envolvem a profissão de enfermagem e as classes dominantes da sociedade. Nos últimos anos o espaço da enfermagem está encolhendo, inclusive a própria Política Nacional de Atenção Básica, publicada em 2017 tira a autonomia da enfermagem em vários procedimentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde, sem falar na Portaria 83 do Ministério da Saúde, que cria prerrogativas para que o Agente comunitário de Saúde e o Agente de Combate às Endemias ocupem o lugar do técnico de enfermagem, isso não pode continuar!!!
Diante de tantas imposições das classes hegemônicas da sociedade em que vivemos, é possível perceber pelo menos três aspectos nos quais podemos fazer um paralelo entre a enfermagem e a escravidão.
Quero destacar que em momento nenhum pretendo desqualificar a profissão, faço aqui apenas um a reflexão sobre a realidade da profissão que me abraçou e assim dou minha contribuição critica a grandiosa importância da enfermagem na recuperação do paciente e é isso que poucos enxergam, ou não querem ver.
O primeiro aspecto é a relação de exploração que existe em ambos os casos, a enfermagem atualmente está sufocada na sociedade, humilhada, não tem vez, nem voz, não tem representantes no poder e aqueles que poderiam defender a profissão, muitas vezes estão olhando apenas pra si. No sistema escravocrata não era muito diferente, os escravos tinham que se conformar com as condições precárias que lhes eram oferecidas pelos senhores de engenho e não tinham o poder de reivindicar, e nem tinham ninguém que pudesse os representar. A enfermagem é exercida muitas vezes em condições precárias e mesmo assim não podemos reclamar. Nossa voz é calada, existe sem sobra de dúvidas uma violência simbólica em tudo isso!
Outro aspecto é a segregação que há entre a enfermagem e as demais profissões da saúde, enquanto muitos  conquistam ganhos financeiros, conquistam melhoria na carga horária de trabalho, a enfermagem não consegue se organizar para reivindicar nem suas melhorias. Temos o pior salário do Brasil, mesmo quando comparados a estados menores, Vivemos como escravos que tem o mínimo pra se manter, um profissional da saúde de nível médio ganha R$ 746 e um profissional de nível superior R$ 1.600. Vivemos reféns de nos mesmos, as entidades de classe que deveriam lutar por nós, simplesmente nos usam como financiadores de suas regalias de pseudo representantes. Continuamos escravos daqueles que um dia foram escravos também.  E esse modelo escravocrata da atualidade se repete nos dias de hoje na enfermagem, e com isso é possível ver que temos em Pernambuco enfermeiros que irão ganhar salários de pouco mais de R$ 1.200, e se essa realidade se perpetuar, não haverá mais volta.
Comparando essa situação com o sistema escravocrata, estudos indicam que Zumbi dos Palmares, que liderou um grupo de escravos a formar sua própria organização social, o Quilombo, e que era contrario à escravidão entre o branco e o negro, também possuía escravos para lhe servir. Tudo isso é Semelhante ao que a enfermagem passa nos dias atuais, a enfermagem que era escrava, vira senhor de engenho, e usa a mão de obra para o desfruto de regalias e desmandos
O terceiro aspecto é a prisão, que nos nossos dias é invisível, na qual estamos, e somos mantidos presos por correntes invisíveis, as nossas correntes estão na nossa mente, na nossa forma de pensar e de encarar a realidade. Somos acomodados, nos mantemos na senzala.
Ao analisarmos qualquer referencia de historia da saúde é possível ver que durante séculos a enfermagem viveu as sombras da medicina, tudo aquilo que seria feito pelo enfermeiro era orientado por médicos, não tinha autonomia, não tinha sua propriedade intelectual. Ma era necessário que a enfermagem conseguisse seu espaço, mas não houve preparo para que isso ocorresse.
Insatisfeita, a enfermagem, assim como na abolição da escravatura, conseguiu sua carta de alforria, no entanto assim como a Lei Aurea libertou os escravos, fomos libertos da nossa escravidão da prisão física. Mas, assim como os escravos foram libertos sem o devido cuidado de como iriam se adequar a essa liberdade, como iram se manter sem ter terras para produzir, sem matéria prima para trabalhar e sem as ferramentas necessárias para a efetivação do trabalho, a mesma coisa aconteceu com a enfermagem.
Traçando esse paralelo com a enfermagem, vejam a semelhança que existe, a enfermagem conquistou sua liberdade, mas quem continuou sendo dono das terras “hospitais”? Quem continuou com a matéria prima para a enfermagem atuar “os insumos hospitalares”? Quem é o senhor de engenho que possui as maquinas e os instrumentos para que a enfermagem possa atuar?
 Entendam, assim como aconteceu com os escravos que buscaram sua libertação, mais do que merecida, eles não se prepararam pra viver em liberdade, a enfermagem também não se preparou para se libertar das correntes. Hoje existem correntes simbólicas que nos prendem a situações de desrespeito com um profissional que se dedica a fazer um curso, seja de 02 anos ou de 05 anos, e não tem as garantias que será um profissional valorizado. Existe uma grande oferta de profissionais e o mercado vai estipular o valor que esse profissional valerá, se a enfermagem não buscar sua valorização.
Durante décadas carregamos esse estigma de ser uma profissão desprestigiada, não buscamos a real liberdade, que é a liberdade da mente, quebrar as correntes invisíveis que ainda nos prendem a senzala.
É preciso que se construa uma identidade profissional que compense todos esses danos que foram causados durante todas essas décadas passadas. Mas pra isso é necessário o reconhecimento que nós falhamos ao criar nosso quilombo, mas sem o devido preparo, e assim buscar a mudança necessária, real, e com a participação de todos, de forma organizada. Caso contrario, se não reconhecermos que falhamos, e tentarmos mudar, cobrar dos responsáveis, iremos continuar sob o chicote do feitor e sob as atrocidades do senhor de engenho que só quer usurpar a nossa mão de obra barata quase escrava.
         É isso aí pessoal, essa foi minha contribuição sobre onde a enfermagem está na Casa Grande ou na Senzala.

Se vocês tiverem outros temas pra gente debate, deixa um comentário
Um forte abraço a todos

Zumbi tinha escravos: https://youtu.be/-p2ulE1fvOk

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Realidade financeira dos profissionais da saúde em PE

Por que escrever com caneta vermelha na enfermagem???



Estava aqui refletindo um pouco sobre a enfermagem e sobre os hábitos e costumes que carregamos durante anos e nunca nos questionamos o porquê de se fazer determinadas coisas. 
Eu sou o prof. Silvio Nicolau, mestre em enfermagem e quero falar com vocês sobre o porquê que nós da enfermagem escrevemos com a caneta vermelha durante o plantão noturno, e os profissionais que trabalham de dia escrevem de azul ou preto.
Vamos pensar um pouco sobre as praticas administrativas e culturais que cercam a nossa profissão de enfermagem
Pra entender um pouco mais nosso presente é preciso voltar no passado da profissão pra observar como a enfermagem foi construída e como a profissão era vista pela sociedade
         Ao longo da história foi possível perceber que não apenas a mulher  tornou-se responsável pelos cuidados prestados aos doentes, mas também exerciam esta função as pessoas que não possuíam idoneidade moral, comumente vistas embriagadas e que frequentavam locais de promiscuidade. Também era muito comum ver os pacientes que recebiam alta hospitalar, mas que por não terem condições sociais de se sustentar permaneciam nos hospitais, e em troca ofertavam os cuidados básicos a outros doentes.
         Nessas condições de precariedade, a enfermagem permaneceu isolada por muito tempo, até a o surgimento da revolução Capitalista, que estimulou a criação dos hospitais para que aqueles que tivessem condições pudessem realizar seus tratamentos.
Historicamente a enfermagem era tratada como subprofissão, por conta do tipo de pessoas que eram recrutadas para trabalhar na assistência aos doentes. Mas com a criação dos hospitais modernos, esse pessoal até então desqualificado precisaria ser monitorado para que não cometessem erros, principalmente no horário da noite, quando estes profissionais já estavam mais cansados de tanta sobrecarga de trabalho. 
         As atividades noturnas que já eram vigiadas por Florence, ganhavam novos contornos por conta das exigências que eram impostas pela criação de um ambiente hospitalar moderno, e que iria receber apenas os ricos que precisassem ser atendidos.
         Diante deste cenário de desorganização era preciso criar estratégias para manter o controle de serviços prestados de forma empírica, para isto algumas condutas administrativas foram adotadas pela enfermagem para legitimar o cuidar.
         A principal idealizadora e ativista de uma enfermagem organizada foi Florence Nightingale (1820-1910) que destacava-se como modelo para princípios e indicadores de qualidade a uma assistência de enfermagem mais padronizada.
         Surgia a necessidade de chamar a atenção deste profissional para aquilo que o médico prescrevia e que não poderia ser esquecido.
Dito isto vamos voltar ao presente.
Acredito que foi assim que se iniciou esse costume de se escrever de vermelho no plantão noturno.  Entendo isto mas não concordo, porque de acordo com estudos realizados sobre o significado das cores, o vermelho é uma cor pejorativa, e não tem bons significados.
         Vejam bem, é tão certo que o vermelho possui grande simbologia na sociedade que o pesquisador Luciano Guimarães,  autor do livro A cor como informação: a construção da biofísica, lingüística e cultura da simbologia das cores afirma que nas placas de trânsito o vermelho representa a proibição.
         O vermelho, desde a Idade Média, é a cor do crime e do pecado, provavelmente por sua relação conotativa do sangue derramado.
         Os semáforos indicam o vermelho como interdição ou para indicar perigo.
No futebol o cartão vermelho indica a falta grave e a expulsão do jogador.
Na farmacologia, o vermelho da tarja é a advertência ao uso do remédio.
         A idéia de perigo está ainda nas expressões do tipo “ficar no vermelho” nas situações deficitárias da administração ou no limite do final do combustível do carro, como também o vermelho é a cor de alerta do corpo, como ficar vermelho de vergonha ou de raiva.
         É ao mesmo tempo a cor das correções das provas e a cor da nota abaixo do limite esperado
Agora, me expliquem uma coisa qual é a justificativa pra escrever os horários das medicações que a enfermagem vai fazer, com a cor vermelha no plantão da noite?
- Ah! É pra saber que aquele horário é pra o noturno!
- E por acaso a enfermagem é retardada que não sabe que só existe 22h, 24h da noite, e que 02 da manhã ou seis da manhã ainda fazem parte do plantão noturno?
É oportuno salientar que a enfermagem, por vezes sobrecarregada de afazeres e obrigações, passa a registrar seus cuidados sob olhares atentos aos erros e distorções, e que com o destaque da cor vermelha deixa mais evidente que ali estão descritos os registros de uma profissão passível de distorções e erros decorrentes da má formação acadêmica  ou por conta da sobre-carga de trabalho.
Mas como tudo na vida, tem gente que acha legal...
Então eu pergunto: se era pra destacar por que não coloca outra cor, têm tantas, verde, azul, rosa, roxo, laranja...
         Ah! E ainda tem mais um agravante nessa historia de escrever de vermelho no plantão noturno:
Não existe amparo legal pra que seja cobrado essa prática, você sabia???
No Brasil, o art. 5º da CF, em seu inciso II afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Eu mesmo já pesquisei todas as resoluções do COFEN e não encontrei nada, nenhuma resolução que obrigue o profissional de enfermagem a escrever de vermelho.
         Inclusive apresentei essa pesquisa no congresso do próprio COFEN, pra quem quiser conferir deixo o link do trabalho disponível em: http://apps.cofen.gov.br/cbcenf/sistemainscricoes/anais.php?evt=13&sec=102&niv=6.1&mod=1&con=11191&pdf=1
E sendo assim nosso conselho regulador da enfermagem, até a presente data não apresentou nenhum amparo legal para que seja exigida essa prática de escrever de vermelho a noite, e eu espero que não criem essa obrigatoriedade sem pé nem cabeça.
         Até por que se fosse algo bom, ou proveitoso, ou diferenciado as outras profissões da saúde sejam a medicina, fisioterapia, nutrição, psicologia, serviço social [que dá plantão em hospitais] já teriam copiado, e por que ninguém faz?? Só a enfermagem!!!
         Com esta prática cria-se uma dicotomia quanto a forma de registros e anotações das atividades assistenciais e gerenciais da enfermagem, dicotomia esta, que não está respaldada por nenhum amparo legal.
         Para a enfermagem, registrar suas ações é fator primordial, pois, deve-se levar em consideração seu aspecto legal e ético, esses registros servem como facilitadores e determinantes em processos judiciais. Inclusive até onde eu sei alguns Estados no Brasil já estão orientando a não escrever de vermelho para que esse prontuário do paciente ao ser utilizado pela justiça não perca qualidade de reprodução.
         De forma velada é dada uma atenção mais direta e torna-se mais prática a supervisão dos registros dos profissionais de enfermagem que trabalham à noite se estes estiverem em destaque dos demais profissionais que também trabalham no horário noturno, mas que não estão diretamente expostos aos efeitos do cansaço físico e mental.
A Enfermagem deve ser exercida com liberdade e autonomia, contudo a liberdade parece ser oprimida diante de normas administrativas, e institucionais que condicionam e delimitam a prática.
         É possível afirmar que ocorre até repressão à autonomia do enfermeiro e sua equipe, quando estes são obrigados a escrever de vermelho, diferenciando os seus registros dos demais profissionais de saúde, causando segregação, sem alguma alegação plausível.
         Bem pessoal, reflitam um pouco sobre como estamos conduzindo a enfermagem, e espero que tenham gostado desse raciocínio e eu convido vocês a tentarem mudar as praticas que a muito tempo fazemos mas que não há obrigatoriedade de lei. 
         Se você realmente acha que deve escrever com uma cor diferente, escolhe outra.
Nos dias de hoje existem varias formas de destacar uma informação importante, inclusive com o uso do marca texto.