Estava aqui
refletindo um pouco sobre a enfermagem e sobre os hábitos e costumes que
carregamos durante anos e nunca nos questionamos o porquê de se fazer
determinadas coisas.
Eu sou o prof.
Silvio Nicolau, mestre em enfermagem e quero falar com vocês sobre o porquê que
nós da enfermagem escrevemos com a caneta vermelha durante o plantão noturno, e
os profissionais que trabalham de dia escrevem de azul ou preto.
Pra entender
um pouco mais nosso presente é preciso voltar no passado da profissão pra
observar como a enfermagem foi construída e como a profissão era vista pela
sociedade
Ao longo da história foi possível
perceber que não apenas a mulher tornou-se responsável pelos
cuidados prestados aos doentes, mas também exerciam esta função as pessoas que
não possuíam idoneidade moral, comumente vistas embriagadas e que frequentavam
locais de promiscuidade. Também era muito comum ver os pacientes que recebiam
alta hospitalar, mas que por não terem condições sociais de se sustentar
permaneciam nos hospitais, e em troca ofertavam os cuidados básicos a outros
doentes.
Nessas condições de precariedade, a
enfermagem permaneceu isolada por muito tempo, até a o surgimento da revolução
Capitalista, que estimulou a criação dos hospitais para que aqueles que
tivessem condições pudessem realizar seus tratamentos.
Historicamente
a enfermagem era tratada como subprofissão, por conta do tipo de pessoas que
eram recrutadas para trabalhar na assistência aos doentes. Mas com a criação
dos hospitais modernos, esse pessoal até então desqualificado precisaria ser
monitorado para que não cometessem erros, principalmente no horário da noite,
quando estes profissionais já estavam mais cansados de tanta sobrecarga de
trabalho.
As atividades noturnas que já eram
vigiadas por Florence, ganhavam novos contornos por conta das exigências que
eram impostas pela criação de um ambiente hospitalar moderno, e que iria
receber apenas os ricos que precisassem ser atendidos.
Diante deste cenário de
desorganização era preciso criar estratégias para manter o controle de serviços
prestados de forma empírica, para isto algumas condutas administrativas foram
adotadas pela enfermagem para legitimar o cuidar.
A principal idealizadora e ativista
de uma enfermagem organizada foi Florence Nightingale (1820-1910) que
destacava-se como modelo para princípios e indicadores de qualidade a uma
assistência de enfermagem mais padronizada.
Surgia a necessidade de chamar a
atenção deste profissional para aquilo que o médico prescrevia e que não
poderia ser esquecido.
Dito isto
vamos voltar ao presente.
Acredito que
foi assim que se iniciou esse costume de se escrever de vermelho no plantão
noturno. Entendo isto mas não concordo, porque de acordo com estudos
realizados sobre o significado das cores, o vermelho é uma cor pejorativa, e
não tem bons significados.
Vejam bem, é tão certo que o
vermelho possui grande simbologia na sociedade que o pesquisador Luciano Guimarães, autor
do livro A cor como informação: a construção da biofísica, lingüística e
cultura da simbologia das cores afirma que nas placas de trânsito o vermelho
representa a proibição.
O vermelho, desde a Idade Média, é a
cor do crime e do pecado, provavelmente por sua relação conotativa do sangue
derramado.
Os semáforos indicam o vermelho como
interdição ou para indicar perigo.
No futebol o
cartão vermelho indica a falta grave e a expulsão do jogador.
Na
farmacologia, o vermelho da tarja é a advertência ao uso do remédio.
A idéia de perigo está ainda nas
expressões do tipo “ficar no vermelho” nas situações deficitárias da
administração ou no limite do final do combustível do carro, como
também o vermelho é a cor de alerta do corpo, como ficar vermelho de vergonha
ou de raiva.
É ao mesmo tempo a cor das
correções das provas e a cor da nota abaixo do limite esperado
Agora, me
expliquem uma coisa qual é a justificativa pra escrever os horários das
medicações que a enfermagem vai fazer, com a cor vermelha no plantão da noite?
- Ah! É pra
saber que aquele horário é pra o noturno!
- E por acaso
a enfermagem é retardada que não sabe que só existe 22h, 24h da noite, e que 02
da manhã ou seis da manhã ainda fazem parte do plantão noturno?
É oportuno
salientar que a enfermagem, por vezes sobrecarregada de afazeres e obrigações,
passa a registrar seus cuidados sob olhares atentos aos erros e distorções, e
que com o destaque da cor vermelha deixa mais evidente que ali estão descritos
os registros de uma profissão passível de distorções e erros decorrentes
da má formação acadêmica ou por conta da sobre-carga de trabalho.
Mas como tudo
na vida, tem gente que acha legal...
Então eu
pergunto: se era pra destacar por que não coloca outra cor, têm tantas, verde,
azul, rosa, roxo, laranja...
Ah! E ainda tem mais um agravante
nessa historia de escrever de vermelho no plantão noturno:
Não existe
amparo legal pra que seja cobrado essa prática, você sabia???
No Brasil, o
art. 5º da CF, em seu inciso II afirma que ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Eu mesmo já
pesquisei todas as resoluções do COFEN e não encontrei nada, nenhuma resolução
que obrigue o profissional de enfermagem a escrever de vermelho.
Inclusive apresentei essa pesquisa
no congresso do próprio COFEN, pra quem quiser conferir deixo o link do
trabalho disponível em: http://apps.cofen.gov.br/cbcenf/sistemainscricoes/anais.php?evt=13&sec=102&niv=6.1&mod=1&con=11191&pdf=1
E sendo assim
nosso conselho regulador da enfermagem, até a presente data não apresentou
nenhum amparo legal para que seja exigida essa prática de escrever de vermelho
a noite, e eu espero que não criem essa obrigatoriedade sem pé nem cabeça.
Até por que se fosse algo bom, ou
proveitoso, ou diferenciado as outras profissões da saúde sejam a medicina,
fisioterapia, nutrição, psicologia, serviço social [que dá plantão em
hospitais] já teriam copiado, e por que ninguém faz?? Só a enfermagem!!!
Com esta prática cria-se uma
dicotomia quanto a forma de registros e anotações das atividades assistenciais
e gerenciais da enfermagem, dicotomia esta, que não está respaldada por nenhum
amparo legal.
Para a enfermagem, registrar suas
ações é fator primordial, pois, deve-se levar em consideração seu aspecto legal
e ético, esses registros servem como facilitadores e determinantes em processos
judiciais. Inclusive até onde eu sei alguns Estados no Brasil já estão
orientando a não escrever de vermelho para que esse prontuário do paciente ao
ser utilizado pela justiça não perca qualidade de reprodução.
De forma velada é dada uma atenção
mais direta e torna-se mais prática a supervisão dos registros dos
profissionais de enfermagem que trabalham à noite se estes estiverem em
destaque dos demais profissionais que também trabalham no horário noturno, mas
que não estão diretamente expostos aos efeitos do cansaço físico e mental.
A Enfermagem
deve ser exercida com liberdade e autonomia, contudo a liberdade parece ser
oprimida diante de normas administrativas, e institucionais que condicionam e
delimitam a prática.
É possível afirmar que ocorre até repressão
à autonomia do enfermeiro e sua equipe, quando estes são obrigados a escrever
de vermelho, diferenciando os seus registros dos demais profissionais de saúde,
causando segregação, sem alguma alegação plausível.
Bem pessoal, reflitam um pouco sobre
como estamos conduzindo a enfermagem, e espero que tenham gostado desse
raciocínio e eu convido vocês a tentarem mudar as praticas que a muito tempo
fazemos mas que não há obrigatoriedade de lei.
Se você realmente acha que deve
escrever com uma cor diferente, escolhe outra.
Nos dias de hoje
existem varias formas de destacar uma informação importante, inclusive com o
uso do marca texto.
O texto aliviou meu coração, sou enfermeira recém formada, assumi um plantão onde a responsável pelo paciente é médica, evolui a noite inteira de caneta azul, pela manhã ela disse você fez errado plantão noturno escreve de caneta vermelha, onde você se formou ? Respondi em tal universidade aí ela disse e não te ensinaram ? Eu disse não. Saí de lá arrasada, pensando como sou uma má profissional agora vejo que ela que se precipitou, mas na hora me tirou a paz.
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